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Publicado em 16/01/2020

Brasil inaugura base "espetacular" de pesquisa na Antártica, mas haverá dinheiro para realizar seu potencial?

Dezessete laboratórios apoiarão pesquisas em diversos campos, da microbiologia ambiental à fisiologia humana, paleontologia e mudanças climáticas, destaca reportagem da revista Science. Financiamento para as pesquisas está previsto até 2022

O Brasil inaugura oficialmente seu novo posto avançado científico na Antártica nesta semana, 8 anos depois que um incêndio destruiu sua base original lá. A nova estação de US$ 100 milhões é quase o dobro do tamanho da antiga e se destaca por seu design arquitetônico elegante e acomodações em estilo de hotel para até 64 pessoas, incluindo cientistas e militares. Dezessete laboratórios apoiarão pesquisas em diversos campos, da microbiologia ambiental à fisiologia humana, paleontologia e mudanças climáticas.

A cerimônia de inauguração está marcada para 15 de janeiro, com a presença do vice-presidente brasileiro Hamilton Mourão e de vários ministros.

“É uma instalação de primeira classe, realmente espetacular em muitos aspectos”, diz Wim Degrave, biólogo molecular e especialista em biotecnologia da Fundação Oswaldo Cruz, que visitou a estação em novembro de 2019. Mas muitos cientistas temem que o governo brasileiro – cujo apoio à ciência despencou nos últimos anos – pode não disponibilizar dinheiro suficiente para aproveitar todo o potencial da instalação.

O incêndio de 2012, que começou durante uma operação de transferência de combustível, matou dois oficiais da Marinha. A nova base foi comissionada 1 ano depois, pouco antes do financiamento público para a ciência no Brasil atingir um pico histórico. A construção começou em 2015 e agora está quase concluída. Os sistemas operacionais e de segurança ainda precisam passar por uma fase de comissionamento antes que a base possa ser ocupada e se tornar totalmente operacional no próximo verão austral.

Pesquisadores brasileiros continuaram fazendo pesquisas na Antártica nos últimos 8 anos, com o apoio de dois navios de pesquisa oceanográfica da Marinha do Brasil e uma série de módulos de contêineres em terra que serão desativados gradualmente.

A nova base fica no local da antiga, na península de Keller, na ilha King George, e manterá seu nome: Estação Antártica Comandante Ferraz. Mas as semelhanças param por aí. O novo posto avançado não é apenas maior (com 4500 metros quadrados de área útil) e muito mais bonito – foi projetado pelo Estúdio 41, uma empresa brasileira -, mas também muito mais seguro e melhor equipado para operar no ambiente hostil da Antártica. Seu antecessor era basicamente uma rede robusta de contêineres adaptados, montada pela primeira vez em 1984, com instalações de pesquisa limitadas.

“É um grande incremento”, diz Jefferson Simões, glaciologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e vice-presidente do Comitê Científico Internacional de Pesquisa Antártica. Por exemplo, os biólogos que fizeram coletas de viagens com a marinha tiveram que congelar suas amostras a bordo e esperar meses antes que pudessem começar a processá-las no Brasil. Agora, eles serão capazes de processá-las imediatamente na nova estação. “Isso faz uma enorme diferença na pesquisa. É muito melhor trabalhar com amostras novas”, diz Degrave.

O Ministério da Defesa está pagando pelo prédio, que foi construído por uma empresa chinesa; a marinha brasileira irá operá-lo. Mas o financiamento para a pesquisa é uma preocupação. O Programa Antártico Brasileiro (Proantar), criado em 1982 para apoiar os interesses científicos e geopolíticos do Brasil na Antártica, foi dificultado por incertezas no financiamento nos últimos anos. Os pesquisadores conseguiram, a um grande custo, garantir uma chamada de financiamento de 18 milhões de reais (US$ 4,5 milhões) para o Proantar em 2018, exatamente quando estavam ficando sem dinheiro. É a maior soma já injetada no programa de uma só vez, de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Mais 2 milhões de reais foram alocados em 2019 para equipar os novos laboratórios da estação.

A verba está sendo distribuída entre 17 projetos de pesquisa selecionados, por um período de financiamento de 4 anos, que termina em 2022. Vários dos projetos selecionados envolvem o estudo molecular da biodiversidade antártica, enquanto outros tentarão lançar luz sobre a história geológica do continente e suas conexões climáticas, oceanográficas, biológicas e geofísicas com a América do Sul.

O dinheiro é suficiente para manter o Proantar vivo por enquanto, diz Simões, mas em breve será hora de começar pleitear um novo financiamento. Idealmente, ele estima que o programa exigiria US$ 1,5 milhão por ano em financiamento de pesquisa – sem incluir custos logísticos – para permanecer estável e cientificamente produtivo a longo prazo. “A infraestrutura está pronta, agora cabe a nós, juntamente com o governo, encontrar o dinheiro necessário para apoiar a pesquisa que precisa ser feita lá”, diz Simões. “Caso contrário, será apenas uma casa vazia.”

O governo brasileiro não assumiu compromissos depois de 2022, mas um porta-voz do Ministério emitiu uma nota tranquilizadora em uma entrevista. “O Proantar é, sem dúvidas, um programa de interesse estratégico para o governo brasileiro e não pode haver descontinuidade no fluxo de recursos”, afirmou o porta-voz.

Science Mag - com tradução do Jornal da Ciência





 
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